quarta-feira, 28 de maio de 2025

Da noção: como foder poeticamente

Nu e nua, que nem se lembram de tirar a roupa dos corpos já pegajosos do calor, ela pulou para cima da cama, de quatro, com cio, e esperou apenas breves segundos para ser invadida como nunca tinha sido.

Até esta união animalesca se concretizar, que sujou a moral mas que tornou os corpos em templos da sensação, passaram-se anos, horas de conversas a cortejar, a seduzir, a atrair. Semanas de orgasmos solitários foram a antevisão do inevitável.

Houve até encontros repentinos em que se disse, à fugida e com a coragem do álcool, «vamos foder?», e não se fodeu. Um caminho tortuoso, que tinha avidez pelo corpo como paisagem, se fez até à noite em que se fodeu poeticamente.

Nu e nua, que continuam sem se lembrarem de terem tirado a roupa dos corpos já pegajosos da ofensa às boas maneiras, ela pulou para cima da cama, de quatro, com cio, e mal teve de esperar para ser invadida como nunca tinha sido.

Uma investida, duas, três... Perdeu-se a conta de quantas vezes os corpos embateram, por dentro e por fora. Dois humanos aparentemente racionais que se tornaram em apaixonadas e ferozes bestas hedonistas e que se entregaram ao profano, só porque queriam foder um com o outro. Difícil dizer se se amavam, mas queriam-se. Se um faz trair e outro trai, faz dos dois traidores? O que importa? Não queriam saber das regras e das normas. Desejavam isto acima de todos os outros desejos, porque são dois seres de carne e osso, com espírito descontrolado, sedentos um pelo o outro – o que penetra e a que é penetrada, dois num só, com consentimento. E como se adoraram naqueles primeiros versos – ele em pé, por trás, forte, a agarrar com pujança uma anca deliciosa que se delineava por ali abaixo até duas nádegas perfeitas que formavam o portal de uma entrada suculenta no físico da mais desejada mulher; ela em cima de um altar, a ser idolatrada, de quatro, sem vergonha, a suspirar por cada vergastada prazerosa que estava a receber, não se culpava de nada e afogava-se cada vez mais nesta poesia que é foder.

Queriam, enfim, encarar-se. Em cima dele, olhos nos olhos, semicerrados. Dióxido de carbono a diluir-se nos escassos centímetros que separavam as bocas secas, que ofegavam, não por cansaço mas por mais daqueles versos tão facilmente rimados. Olhos fechados, gemido tímido porque alguém podia ouvir, cabeça levemente deixada cair para trás enquanto o resto do corpo cavalgava o cetro do amante.

As bocas estavam tão secas, ao contrário do que se passava lá em baixo – húmido, escorregadio. O que é prazer dentro do ventre, que faz gemer e arrepiar, sobe pelo corpo, por todas as células, até ao cérebro e torna-se tortura, só que ninguém quer admitir, até porque não é palpável, está e deixa-se estar nos confins do não-consciente – não se pensa, mas existe. O prazer da ereção máscula e imponente a acariciar o interior de veludo da musa combate a tortura invisível que é o medo disto tudo acabar – e acabará. Um deles vai fazer com que isto acabe. Talvez os dois ao mesmo tempo, como uma trégua aceite depois de uma refrega sangrenta à lei da espada. Só que este banho não foi de sangue – foi de uma imoralidade que, naquele momento, não lhes causou qualquer receio ou prejuízo.

Não havia saliva suficiente para um beijo, tamanha a temperatura que se tinha instalado, mas não foi por isso que deixaram de tocar línguas. E olhavam-se tanto como nunca se tinham olhado. E quando os olhos faiscavam, ele pegava-lhe na cara de expressões embriagadas com a mão vinda de baixo, pelo pescoço e pelo queixo, e beijava-a, e gemiam, e contorciam-se, sempre ligados, sem nunca se desprenderem um do outro.

Os seios dela são uma ode à perfeição, uma poesia fascinante que até é sacrílego transpor em palavras. Redondos, grandes e robustos, deslumbrantes, dignos da Grécia dos deuses, são coroados por diamantados mamilos eretos que, como um farol, guiam a boca e os lábios do usurpador, que aspira nunca perdê-los de vista e do toque. A beleza em estado puro – tão simples e direto quanto isto.

Foderam-se um ao outro. Nunca tinha sido tão bom. Nunca será tão bom. Acariciaram-se, tocaram-se, trocaram fluidos de matéria violada pela decisão pecaminosa que tomaram, morderam-se, pisaram-se até – de verso em verso transformaram-se em luxo monumental.

E o gáudio atingiria o fim. Preferiam ter ficado ali, naqueles propósitos, para sempre, mas era impossível. Somos homens e mulheres, por vezes bichos indomáveis, com limites corpóreos que necessitam de água e descanso – quem nos dera alimentarmos o físico com o éter, e assim podermos escrever um poema infinito.

Não queriam, mas tinham de se separar. Não é possível viver-se numa espécie de cordão umbilical, muito menos quando não se trata de mãe e filho, mas de um par de fornicadores, ainda que, por momentos, simbióticos.

Explodiram num êxtase único, como se tivessem criado, não um, mas vários universos de luz ofuscante que cega qualquer mortal incauto e ignorante de tal comunhão. Tudo tremeu, e os alicerces, que são as pernas e os braços, ficaram em ruínas. As mentes estavam feitas em pó cintilante, enquanto os sexos pingavam o néctar por eles produzido e expelido em exultação.

Amainaram e, como feras amedrontadas e fustigadas pela adrenalina, encolheram-se ainda juntos. As últimas linhas, agora mais desbotadas, estavam assim a ser escritas. Enfrentaram a realidade – ele, a deslizar, saiu de dentro dela, e ela, exasperadamente satisfeita, deixou que ele saísse. De novo erguidos, saciados por e com um sentimento de inculpável transgressão cumprida, enrolaram os papiros, que são os seus corpos, em proteções de algodão e guardaram esta poesia herética em cofres profundos, onde se protege a luxúria infindável, a perversão aliciante, a traição dos bons costumes e o prazer eterno.

Tal poesia nunca poderá ser reproduzida, e por isso ficamos pela prosa de pouco talento e pouca riqueza. Mas que fiques a saber: foi poético.


(01/11/2024)

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