quarta-feira, 22 de maio de 2013

Pipocas? Não, agora são camisolas.

Anda tudo histérico com mais um bitaite lançado no programa "Prós & Contras", da RTP1. Se há programa de televisão que merece respeito é este, mas se há programa óptimo para lançar sound-bytes também é este.

Lembram-se do Miguel Gonçalves? Um basofe de primeira que vende sonhos e ganha a vida à custa do desespero das pessoas; tem carisma, tem sotaque e tem ideias como vender pipocas num centro comercial para o aluno pagar propinas. Foi lançado pelo "Prós & Contras" e agora temos que o aturar.

O mais recente chama-se Martim, de 16 anos. Mandou fazer meia dúzia de camisolas (que, segundo me dizem, não valem uma pissa) e conhece miúdas giras. Parece que em apenas um ano montou uma empresa com negócio. E tornou-se um hype porquê? Porque respondeu a Raquel Varela que é melhor ganhar o ordenado mínimo do que estar no desemprego e recebeu uma ovação.
Como me disse um amigo de infância enquanto discutíamos esta matéria: "ele diz a verdade, não tem é razão." Que bela frase que o meu amigo Pedro encontrou para descrever uma resposta viral dada em plena televisão pública.

Depois disso, o petiz conquistou as redes sociais com a sua coragem. O que me irrita, para além do actual conceito de empreendedorismo e falta de experiência de vida de um miúdo, é mesmo as pessoas que freneticamente partilham nas redes sociais o momento em que Raquel Varela teve uma fraqueza e o pequeno Martim se sai com uma resposta que nem sabe como fez. Mandando números para o ar, arrisco a dizer que 90% das pessoas que partilharam e comentaram esse sound-byte não viram (ou não vêem) o "Prós & Contras", porque àquela hora há Internet, um filme, um jogo de computador, um café, uma novela ou um Big Brother de famosos encalhados. Um dos poderes do sound-byte é mesmo este: fazer curvar os ignorantes.

Claro que é bom haver miúdos com ideias, mas nem todos temos de ser empreendedores. E essa palavra já está a atacar a pré-escola! O neoliberalismo e o novo conceito de empreendedorismo diz-nos que nascemos todos iguais, que as oportunidades estão aí e se não as agarras, a culpa é tua é só tua. Que conceito mais distorcido e individualista! A realidade é precisamente o contrário: nascemos todos diferentes e, por isso, temos de criar mecanismos que nos tornem iguais.

Tiveram ambos tiradas populistas, o Martim e a Raquel. O Martim pelo que já se sabe e a Raquel porque se lembrou dos meninos da China ou do Bangladesh. Todos temos culpa no cartório - eu calço Nike. Mas há uma coisa que os diferencia: a maturidade. O Martim rejubila-se, porque é melhor receber o ordenado mínimo do que estar desempregado, mas a Raquel sabe que esse salário (que na realidade é de cerca de 430€) não suporta famílias. Nem todos vimos da linha de Cascais e nem todos conhecemos miúdas giras como o Martim. Nem todos temos ideias brilhantes todos os dias, nem que seja ir vender pipocas no centro comercial.

Contudo, tenho que concordar com a Raquel quando diz que o trabalhador não deve nada a ninguém. É verdade, eu não devo porra nenhuma a caralho nenhum! Felizmente tenho emprego, felizmente não ganho o ordenado mínimo, mas cada vez mais fico com menos, porque me sobem o IRS ou porque há mais uma sobretaxa qualquer.

No fim, a ideia com que fico é que, apesar de termos posto nas ruas perto de 1,5 milhões de pessoas no 2 de Março, ainda há uma grande proporção de gentinha que, nesses dias, fica no sofá ou vai à praia e se alimenta de estiradas populistas como estas. Não querem saber de política, não querem ser politizados (muito menos partidários), não querem mexer o cú para exigir Democracia... Mas partilhar e comentar tresloucadamente um puto de 16 anos já é activismo. É? Não.

Se aparecer uma versão mais nova do Miguel Gonçalves, não digam que não avisei. Depois aturem-no.

domingo, 12 de maio de 2013

Cinco Câmaras Partidas - A História através da óptica de Emad Burnat

Emad é um palestiniano que vive em Bil'in. É casado com a bonita Soraya, também palestiniana que cresceu no Brasil. Juntos têm quatros filhos e pelo nascimento de Gibreel (o mais novo), Emad adquire uma câmara de filmar para imortalizar essa época das suas vidas.
Emad acaba por eternizar também a luta dos habitantes de Bil'in contra o roubo das suas terras por parte de Israel. Entre as dezenas que se manifestavam constantemente encontravam-se activistas estrangeiros e, para além de Emad que estava sempre a filmar, destacavam-se dois homens: Adeeb era a força, era aquele que gritava as palavras de ordem, encabeçava todas as manifestações, dava o corpo às balas e ao gás lacrimogéneo lançado pelo exército israelita; Bassem (mais conhecido por Phil) era a alma, era aquele que se manifestava pela paz e considerava todos iguais, era adorado pelas crianças (incluindo Gibreel). Bassem foi morto, a tiro, numa das manifestações. Assassinado direi até. Emad captou tudo. Adeeb foi, mais tarde, preso, assim como os irmãos de Emad já o tinham sido antes.

Durante os cerca de cinco anos que Emad filmou, rebentaram-lhe cinco câmaras e duas delas salvaram-lhe a vida.

Israel fez de tudo para travar a avalanche de Bil'in (que já estava também a chegar a Ni'lin): levantaram cercas, criaram caminhos entre muros como se se tratasse de uma terra de ninguém, levaram crianças do colo das suas mães e mataram.
Bil'in nunca desistiu e após cinco anos, os tribunais declararam ilegal aquilo que os settlers israelitas estavam a fazer. Destruíram as cercas de arame, devolveram parte das terras aos seus donos palestinianos, mas não se livraram de um enorme muro de betão num local mais periférico da vila.

Nada mais nada menos do que as mesmas ferramentas utilizadas pelo nazismo para oprimir e segregar. Estamos em pleno Séc. XXI.
Fomos habituados pela comunicação social de que os EUA e Israel são os freedom fighters e tudo o que vem da Palestina é terrorismo. "5 Broken Cameras", de Emad Burnat, mostra a selvajaria israelita perante um povo oprimido que apenas quer viver.

Orgulho-me de mim próprio por ter encabeçado a manifestação de 2 de Março, orgulho-me por me ver a mim e ao meu nome nas acções do movimento Que se Lixe a Troika, orgulho-me por ter uma voz no partido ao qual sou filiado. Orgulho-me por tentar fazer de Portugal e da Europa um país e um continente melhores.

Mas depois de ver homens como Emad, Adeeb ou Bassem "Phil"... Penso: "o que eu faço é para meninos."


quarta-feira, 8 de maio de 2013

Coincidências matreiras - BES, BCP, CGD e mercados financeiros

Portugal colocou, no mercado financeiro, cerca de 3000 milhões de euros da dívida a 10 anos com um taxa de juro de 5,669%. "Um sucesso!", gritam eles embevecidos por mais um missão cumprida de ajuda à banca privada e aos investidores estrangeiros que ninguém conhece, mas que, muito provavelmente, têm inside tradings com inúmeros bancos e são stockholders de muitos mais.

Agora vejamos: nestes últimos dias, com diferença de poucas horas, o BES declara um prejuízo de 62 milhões de euros e um layoff de 200 trabalhadores, o BCP declara um prejuízo de 152 milhões de euros e o banco estatal CGD também está em prejuízo (36,4 milhões) - isto tudo no primeiro trimestre de 2013.

No mesmo dia, ou em pouquíssimas horas posteriores, em que tudo isto é declarado, o Governo emite, no mercado, os tais 3000 milhões de euros em títulos de dívida. Eu não sou investigador, mas não é preciso ser-se muito inteligente para perceber a "coincidência".

Espero que estejam recordados de que quando o Estado recapitalizou o BPI e o Banif, esses dois bancos privados pegaram em parte desse dinheiro - que é teu e meu -, investiram na dívida pública e sobreviveram. Um inside trading legal, direi? Comprar público com aquilo que já é público.
Desta vez não será muito diferente, só que os intermediários da recapitalização bancária serão os mercados financeiros e os seus investidores estrangeiros.

E para quem ainda não percebeu o que é ir aos mercados, eu explico de uma forma muito muito simples.
O Zé deve 500€ ao Tó, mas não tem como pagar essa dívida. Então, vai pedir ajuda ao Quim e este diz-lhe: "Eu pago esses 500€ por ti, mas tens de me dar mais 200€ como garantia." Conclusão: o Tó vê os seus 500€ de volta, mas o Zé ficou com uma dívida ainda maior (700€). O Zé é Portugal.