domingo, 12 de dezembro de 2010

A Espera

Vês-te em pé no meio da cozinha. Mesmo no ponto mediano como se as medidas tivessem sido tiradas com perfeita precisão. Esfregas as mãos transpiradas e sem atrito, mas acabas por passá-las nas calças de ganga para as secar. Irritam-te as mãos demasiado macias, igualmente sem atrito, mas não é o caso; estão mesmo encharcadas e os piores suores são aqueles que aparecem através do nervosismo. A camisola já é um peso a mais no corpo que te atrofia a respiração que começa a ser veloz e sem ritmo controlável. Não páras de olhar para o relógio: tanto o de pulso como o de parede. Parece que tens medo de um certo momento que pode chegar e não sabemos qual e quando ou, então, sentes-te obcecado pelos três ponteiros que têm de estar no mesmo raio à mesma hora.

Ainda não deste um único passo, a tua localização é a mesma: no centro e de costas para a porta. Finalmente, ouves barulho na escadas - são saltos altos - e sabes que quem vem tem a possibilidade de entrar no teu apartamento. Continuas sem te mexer. Do molho de chaves que a personalidade vindoura possui, ouves que uma delas penetrou a fechadura e iniciou o exercício que o canhão executa para abrir uma porta. Mais passos.

É uma mulher, os saltos altos a subir as escadas não te enganaram. Tremes. Há, no ar, uma mistura de perfume baseado em rosas e um cheiro intenso a tabaco. Ela aproximou-se do teu ouvido e disse-te "já está". Contornou-te e no momento em que expiraste, algo que era interno deixou de ser. As vossas bocas estavam francamente próximas. A última réstia de esperança foi sugada.

Caíste e nunca mais te mexeste.

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