"Cheira a gás.", disse-me ele.
"A sério? A mim cheira a rosas.", respondi eu.
"Mas se concentrar melhor o olfacto, sinto um toque de podridão.", continuou ele.
"Realmente, se eu me concentrar melhor, surge-me uma leve onda de folhas de laranjeira."
"Não, não... Deve passar-se algo estranho contigo, porque o que estou a sentir não é nada disso. Nem me estou a sentir nada bem.", disse ele a sufocar.
"Contigo é que não se deve passar nada de bom... Estás a envelhecer. Olha só o teu pescoço! Está a implodir, as tuas unhas estão a cair e as tuas orelhas estão a apodrecer!"
"Vê-te espelho!", gritou-me ele. "As rugas da tua testa desapareceram e as madeixas brancas do teu cabelo estão outra vez negras! Olha só para mim! Não mereço eu rejuvenescer em tua vez? O que me está a acontecer?"
"Acho que estás a definhar, meu caro.", retorqui cheio de calma. "Sinto-me bem... Não... Muito bem, até! Não sei o que fazer para te ajudar, nem sinto grande vontade para tal."
"Ajuda-me!"
"Não."
"Por favor! Dá-me água. Tira-me daqui!"
"Não."
"Amaldiçoado sejas! Tu e a tua sorte!
"Pois que seja, não me metes medo, muito menos nesse estado deplorável. E o teu azar ficará para trás. Aqui, para sempre, quando sair e a porta se fechar."
Saí e vivi.
Lá atrás, trancado e a apodrecer, ficou o meu azar e a minha consciência que luta entre fazer bem e fazer mal.
Não mais fui julgado, nem mais justificações tive que dar.
Agora sou só um.
E se o mal farei, pois que prossiga, já não me inquieta. Se o bem farei, pois que a glória me invada.