Antes olvidado do que miserável.
É sob os céus cinzentos da ignorância e do egoísmo que decido ir-me embora. A eletricidade citadina apagou-se em mim.
Num canto da cidade, uma árvore plena e verde – tive de a abandonar. A tristeza era esmagadora demais para me manter protegido pela sombra aconchegante daquele ser magnífico que testemunhou indizíveis alegrias.
Sem sombra, de beiral em beiral, com um cigarro incandescente entre os dedos, houve dias em que o sol desceu sobre mim quente e agreste. Voltar à frescura da sombra da árvore viva e verde estava fora de questão. Desaparecer era a única maneira de encontrar alívio.
Merecedor de um bom e bonito fato, vejo-me deitado numa caixa estreita onde caibo perfeitamente. Camisa e colete cor de vinho tinto, casaco e calças negras, sapatos pretos engraxados. Enrolado nas mãos sobre o ventre, um prateado relógio de bolso sem ponteiros. Cabelo rapado, barba aparada com o maior dos cuidados.
No início do outono eu já estava desaparecido. Nunca fui encontrado, o meu corpo nunca foi recuperado... até agora.
Fui enterrado num outro sítio que não o meu – sozinho, sem choros e sem cerimónias.
Enterrado numa cova sem nome e sem lápide, entre monumentos e debaixo das copas de árvores tão lindas e verdes como aquela da minha cidade. Entre estátuas e fontes, uma nova vida sem vida podia começar para mim, neste tão exato dia que marca o fim do velho caminho que percorri.
Será que terei saudades vossas? Será que terão saudades minhas, num tempo e espaço em que já ninguém procura nada e onde não há nada para ser procurado? Quando todos tivermos morrido e ido para o silêncio da eternidade, seremos esquecidos e perdidos nas lembranças da Terra. Antes olvidado do que miserável.
Não passámos juntos os anos que devíamos ter passado.
Esperar por algo que nunca chegaria foi uma escolha minha. Extinguir-me também. Embora o mundo tenha ficado completamente desaustinado, creiam que me fui pacífico e calmo, convosco firmes no meu coração.
(24/09/2025)
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