terça-feira, 30 de setembro de 2025

strepitus mundi

Ter-vos-emos de joelhos perante o barulho do mundo
e as vossas inquietações não serão mais parte de nós.

Habituamo-nos a que o barulho do mundo ribombe quando tudo rui, quando ficamos debaixo dos escombros, quando não há saída e quando as lágrimas são o único sustento. A derrota pode ser romântica, mas nunca gloriosa – e não nos contentemos com isso. Baixar os braços e os ombros, caminhar a olhar para o chão e empalidecer a cada afronta, tudo isso abafa o verdadeiro barulho do mundo.

Ergue-te pois, e quando o fizeres traz alguém contigo, que te acompanha sem medo até ao fim do mundo e que espera por ti nesse fim do mundo quando estiver sozinho, sabendo que será resgatado custe o que custar, demore o que demorar.

Ergue-te pois, e quando o fizeres esmaga os injustos, os incrédulos e os infrutíferos que te vão tentar amarrar correntes aos pés, fazendo com que com eles fiques na penúria e na penumbra porque não sabem mais e recusam saber mais.

E quando te ergueres, então protege e conforta os humildes e os merecidos. Ama-os com todas as forças, abraça-os e beija-os, faz amor com eles se eles forem o teu amor, passa frio e sede, ouve lamentos e esquece os teus, não os abandones por nada, diz a última boa e incentivadora palavra.

E quando te ergueres, então não te esqueças também de dizimar os incautos, os desprezíveis e os egoístas. Odeia-os com todas as forças, encosta-os à parede e rebenta-lhes a cabeça com um martelo, manda-os ao chão e estrangula-os com um cinto de couro, deixa que ouçam as tuas últimas rancorosas palavras, deixa-os a morrer emocionalmente desfeitos.

Invisíveis, treinados para desaparecer sempre que necessário, compomos e afinamos aquele que será o barulho do mundo. Como ladrões a soldo, domamos o fogo, vemos nas sombras e equilibramo-nos na corda bamba. Viajamos suaves e há quem nos ache sonsos, mas mal eles sabem que ainda não temos em nossa posse, por completo, o barulho do mundo e já dançamos ao seu som com os olhos fechados.

Não temas a alegria fundida com ferocidade – é o barulho do mundo a querer brotar. Senta-te comigo, refresca-te nestas margens comigo, aquece-te ao sol comigo, lava-te em leite comigo e terás sempre a minha outra face para beijar e acariciar ou para bateres, cuspires e desdenhar no dia em que já não conseguires fingir que o que te domina é uma incapacitante falta de lucidez. Nesse dia, porque tolerámos que fosse até esse dia, quando perceberem que ofenderam o nosso orgulho e boa-vontade, então vão invejar os mortos, vão desejar não abrir a boca para sussurrar falsos anseios e elogios, e vão pedir mil perdões, todos eles vazios – como se isso fizesse com que a face aberta que foi dada antes pudesse não ter sido dada de todo.

Não te deixes seduzir pelo som das implosões da autocomiseração estagnante e da esbatida promessa – esse não é o estrondo que queres ouvir. A explosão que abrirá caminhos novos e leais, sim, é o barulho do mundo que nos guiará por desertos transformados em prados verdejantes e repletos de frutos. E esse barulho é o do mundo reerguido pelo bom e pelo protetor, mas também capaz de ser intolerante à escapatória, à indecisão, ao desprezível e ao ludibriador.

Enfrentem-nos com modéstia e honestidade, ajuda e pede ajuda, caminha ao lado e nunca à frente ou atrás, decide-te e resolve-te em comunhão com os generosos – e saibam que os bons não são perfeitos, mas mais perto disso chegarão com a humildade da união, e juntos ouvirão o barulho do mundo.

Enfrentem-nos com injustiça e desprovidos de noção, com silêncios ignóbeis que mascaram egoísmo, com arrogância, soberba e com subterfúgios infantis, e perecerão imóveis e abandonados – primeiro esmagados pelos nossos pés enquanto nos erguemos ao som do barulho do mundo que aí em baixo não ouvem e depois com o coração dilacerado por não compreenderem a abnegação que vos quiseram ensinar.

Não se salvam porque não quiseram ser salvos, não se salvam porque não se sabem salvar. Pois que morram – e bem longe de nós, que prosseguimos firmes e coesos.

Ergue-te pois, mais uma e outra vez, quantas vezes forem precisas. Lava a cara, sacode a poeira, abre o peito, vislumbra a estrada sem receio e segue vestido com o fato preto mais radiante e polido, porque isto é apenas o começo do ensurdecedor barulho do mundo: em frente e com vida, os justos e os protetores; para trás moribundos, os desorientados e os incoerentes.

Ter-vos-emos de joelhos perante o barulho do mundo e as vossas inquietações não serão mais parte de nós.


(30/09/2025)

Sem comentários:

Enviar um comentário