quarta-feira, 8 de outubro de 2025

Stigmata, blood and gasoline

 Assaltámos um banco e vamos pôr o mundo a arder... 

...os dois, juntos.


Sonhei que assaltávamos um banco.

Estávamos de cara tapada com um lenço vermelho como os revolucionários zapatistas. As nossas botas estavam imaculadamente engraxadas. As minhas calças pretas sem um único vinco. As tuas meias semitransparentes que não escondem todas as tatuagens, também pretas, subiam-te pelas pernas saídas do teu vestido curto. A minha camisa, enfiada dentro das calças seguradas por um cinto de couro com fivela prateada, era aquela cinzenta ao xadrez. A tua camisola tinha o nome de uma banda punk. Pus ainda a minha boina quando saímos do carro, e tu não falhaste com o teu longo e solto cabelo negro.

Quando entrámos no edifício atulhado de gente, quis levar tudo à frente, disparar a caçadeira contra tudo e todos, berrar a plenos pulmões, meter medo e impor-me. Mandaste-me um calduço e disseste: «estás parvinho?» Ri, porque imagino-te a fazer isso, e lá fomos roubar.

Saímos dali com sacos de dinheiro ao ombro, sem um único grito e sem um único tiro – e ainda tocámos os lábios numa conversa mais silenciosa, agachados atrás do balcão. Abandonámos cheios de estilo, já sem os lenços na cara, a olhar um para o outro – como um filme, até caminhámos em câmara lenta e ao fundo ouvia-se uma batida sonora que não me era estranha...

Não sei mais. Acordei, esbocei um sorriso e até ri. No meu subconsciente cometemos um crime e soube bem.

Stigmata, blood and gasoline
A thought of you and the fire between

Passado largos minutos, já regressado ao mundo real e à decadência do Oeste, descobri sem querer que aquela batida – a banda-sonora do nosso assalto –, era o acompanhamento destes versos.

Estou a tentar escrever isto o mais natural possível e a tentar encontrar um fio condutor que faça sentido entre nós, o sonho e a música. Está complicado, se calhar devia apagar tudo e esquecer.

Mas porra... Estigma (dito stigmata tem outro impacto, eu sei), sangue, gasolina e fogo... Tudo na mesma frase – como esquecer? E ainda por cima assaltámos um banco!

Pensar que podes ser a minha Bonnie e eu o teu Clyde é tão estúpido quanto bonito e excitante. Só que no fim não somos emboscados e mortos – também não ficamos ricos, mas pelo menos sobrevivemos.

No topo de um dos prédios mais altos de uma das nossas cidades, vimos que incendiámos tudo à nossa volta com rios de gasolina. Não nos importamos, e até gostamos – a paisagem infernal e crepitante é linda e destrutiva. Estou desfeito e a sangrar, levei porrada e um tiro ou outro, mas não me queixo, nem falamos sobre isso – tu estás bem e isso é que importa. Não falamos sobre nada sequer – sentados num parapeito sem grades, só me dás a mão enquanto vislumbramos as gigantescas labaredas a chegar ao mar, enquanto sorrimos a ver arranha-céus a ruir e enquanto não queremos saber da desgraça que acabámos de acometer ao mundo.

As cicatrizes que estas e outras ideias deixam (umas mais verdadeiras e possíveis, outras mais estapafúrdias e insanas) são apenas os estigmas nada religiosos, muito profanos e ímpios que o ofício de imaginar me oferece – e tenho de lidar. Mas não me interessa o apocalipse do mundo e da vida se pudermos continuar a sonhar em roubar bancos e a pôr o mundo a arder – os dois, juntos.

No fim, esteja eu como ou onde estiver, dirás sempre que vai ficar tudo bem. E se houver um dia em que não mo digas, tenho a certeza que aquele teu olhar oculto, que nunca apanho mas conheço, por entre os ombros e as cabeças da multidão à minha procura, vai fazer-te chegar até mim.

E quando nos virmos sozinhos será como se estivéssemos outra vez naquele parapeito alto e perigoso, a ver as cidades a arruinarem-se enquanto sonhamos e não dizemos uma palavra.

Sempre que quiseres voltar a tapar a cara com um lenço vermelho e ir assaltar um banco, serei o primeiro a acompanhar-te. E as manhãs de amanhã serão sempre melhores do que as de ontem.


(08/10/2025)

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