sexta-feira, 31 de outubro de 2025

a música extrema contada em crimes e mitos

suicídios, homicídios,
depressão, ritualismo, fanatismo, raptos
e um eclipse lunar


Gorgoroth, Mayhem, Gaahl e Faust
Em 2004, os Gorgoroth passavam por Cracóvia, na Polónia, para darem um dos concertos mais míticos da história do black metal: arame farpado, figurantes nus pendurados em cruzes e cabeças de ovelha decepadas. Foram acusados de blasfémia e crueldade animal, sendo que a primeira terá tido mais força por algo tão extremo ter acontecido no país natal do papa João Paulo II. Os Mayhem também o fizeram, com cabeças de porco, mas isso é um pormenor ao lado dos homicídios e suicídios. Dead (vocalista) suicidou-se em 1991 - primeiro cortou os pulsos e a garganta, depois disparou um tiro na cabeça. Euronymous (guitarrista), ao encontrar o cadáver, tirou fotos ao corpo do colega, originando a famigerada capa da bootleg "The Dawn of Black Hearts" (1995) - nada disto com o consentimento de Necrobutcher (baixista), que saiu dos Mayhem temporariamente. Varg Vikernes, de Burzum e por pouco tempo em Mayhem, também envolvido nos incêndios das igrejas norueguesas, assassinou Euronymous, à facada, em 1993, depois de um desentendimento no apartamento da vítima. Voltando a Gorgoroth, o ex-vocalista Gaahl ficou igualmente conhecido por torturar um homem durante várias horas. A vítima chegou a afirmar que o músico começou, a certa altura, a coletar o sangue num copo. De outra banda seminal do black metal, Faust (Emperor) não gostou de ser assediado por um homossexual, de nome Magne Andreassen, acabando por matá-lo em 1992.

Jon Nödtveidt e o suicídio ritualista
Líder dos extintos Dissection, Jon Nödtveidt era mais do que um músico. Após "Storm of the Light’s Bane" (1995), o sueco seria condenado, em 1997, a dez anos de prisão (tendo cumprido apenas sete) por ter participado no homicídio de Josef ben Meddour. De volta à liberdade em 2004, Jon envolver-se-ia com a Misanthropic Luciferian Order, uma seita que, com os seus escritos, influenciou o guitarrista/vocalista a compor "Reinkaos" (2006). Tiraria a própria vida a 13 de agosto de 2006, com um tiro, mas não foi um mero suicídio. O ato terá acontecido dentro de um círculo de velas, e ao lado do corpo foi encontrada uma grimória satânica (considerada a Liber Azerate), cenário que o guitarrista Set Teitan viria a tornar público quando mencionado que se tratava antes da Bíblia Satânica, de Anton LaVey. Provavelmente tratando-se de um ato programado, Jon Nödtveidt considerava que «o satanista decide a sua própria vida e morte, preferindo morrer com um sorriso nos lábios quando atinge o pico da sua vida, quando já realizou tudo (...). O satanista morre forte, não de idade, doença ou depressão, e escolhe a morte em vez da desonra! A morte é o orgasmo da vida!» (in “Metallion: The Slayer Mag Diaries”, de Jon Kristianssen)

Stalaggh usam doentes mentais como vocalistas
Anónimos e passados dos carretos, Stalaggh é dos projetos dark ambient/noise mais interessantes da história da música extrema. Um artigo da Metal Injection, de 2011, até refere que o grupo raptou pacientes mentais para gravar as vozes de "Projekt Misanthropia". Se calhar não foi bem assim, mas mesmo que tudo seja alinhavado com as instituições psiquiátricas, a intenção para o álbum "Vorkuta" continua a não deixar de ser fantástica e horrenda ao mesmo tempo: numa entrevista concedida à Noisey, em 2013, um dos membros conta que decidiram usar os berros/gritos de crianças para o referido disco, porque têm «uma forma fascinante de gritar». Contou ainda que uma das meninas estava em tamanho trance que começou a sangrar dos dedos por raspar com as unhas no chão. Mito urbano? A História também se alimenta de rumores.

Nattramn, o mãos de porco
De mito urbano em mito urbano chegamos a Nattramn, vocalista/letrista dos suecos Silencer. Mesmo que "Death - Pierce Me" (2001) seja um disco muito badalado no nicho do depressive suicidal black metal, é crível que o hype à volta da banda não venha exatamente da música, mas da insanidade (verdadeira ou não) de Nattramn. Encarcerado num hospital psiquiátrico após, alegadamente, ter tentado matar uma menina de cinco anos com um machado, o sueco é conhecido pelas próteses que lhe conferem mãos de porco. A sua paixão por suínos é tanta que, em 2011, lançou o livro "Pig's Heart" (original "Grishjärta"), que consiste em poemas, textos curtos e letras de músicas. As cópias existentes são assinadas pelo próprio, perguntando: com que mãos?

Músico tailandês assassinado por «manchar o satanismo»
Tínhamos acabado de entrar em 2014, mas Samong Traisattha (aka Avaejee) não mais passaria tempo neste mundo. O baixista/vocalista dos tailandeses Surrender of Divinity foi assassinado em janeiro desse ano por um fanático que, para além de detestar budistas, cristãos e muçulmanos, queria pôr termo à vida levando com ele alguém que manchasse o satanismo. O feliz contemplado foi Avaejee, que começou o encontro com umas bebidas e acabou com 30 facadas no corpo. Antes da ocorrência, o criminoso terá escrito no Facebook: «Se não o matar, tenho a certeza que alguém o fará.»

Tafofilia de Macabre
Taphophilia [do grego τάφος (túmulo) + φιλία (amizade)] é uma obsessão por cemitérios e funerais - é isto que Macabre, de Mortis Mutilati, diz sofrer. Recorrendo aos arquivos da extinta Against (predecessora da Ultraje Magazine e da Metal Hammer Portugal), o músico, aquando do lançamento de "Mélopée Funèbre" (2015), foi questionado se esta condição era metafórica ou real. Respondeu: «Tafofilia não é nada metafórica. Passo muito tempo em cemitérios, a olhar para túmulos e a questionar quem eram as pessoas que lá estão e como é que morreram... Principalmente se são crianças ou jovens como eu. É uma obsessão. Sobre Macabre: somos um só. É uma extensão da minha personalidade, a minha parte criativa.» Mas há mais: morte, erotismo e necrofilia andam de mão dada no conceito de Mortis Mutilati - no booklet de “Mélopée Funèbre” até encontramos a Morte a masturbar uma jovem senhora. «Morte e erotismo são dois temas pelos quais tenho obsessão. É como se estivessem a fazer um 69 na minha mente, portanto é claro que não podia evitar o ponto de vista necrófilo. Para mim, arte é a ligação entre morte e erotismo, por isso quis dedicar um álbum a essa trindade.»

Kris Angylus: acne, depressão e uma mão lesionada
Em 2007, Kris Angylus e a sua esposa Monica "Dragynfly" Henson lançavam, com o projeto The Angelic Process, o álbum "Weighing Souls with Sand", um trabalho muito aclamado na cena doom/ambient/drone. Um ano depois, Angylus cometeria suicídio envolto em obscuridade. Numa declaração proferida pela sua companheira (falecida em 2023) podia ler-se que o músico sempre foi considerado clinicamente deprimido e por várias vezes tentou o suicídio. Por outro lado, a medicação que tomava para contrariar a acne causava-lhe dores de estômago, o que não lhe providenciava uma vida serena, e, para piorar, tinha sofrido lesões graves numa mão derivadas de um acidente de viação. A depressão, aliada ao facto de não conseguir tocar guitarra, levou o músico a pôr termo à vida em 2008.

Tójó e o último eclipse lunar do milénio
Meus conterrâneos de Ílhavo, os Agonizing Terror estavam a deixar a sua marca no underground português com as demos "Disharmony in God's Creation" (1995) e "Ways of Existence" (1997). Em agosto de 1999, a cidade ilhavense e o país acordaram em sobressalto com a morte horripilante, à facada, de um casal no lugar de Vale de Ílhavo. Depressa, a Polícia Judiciária ligou o crime ao filho Tójó, de 23 anos. Confessou ter agido sozinho, mas, posteriormente, acusou a companheira Sara, baterista nos Agonizing Terror, de o ter incitado moralmente. Alegadamente, pretendiam herdar a casa e ficar com os seguros de vida do casal. Como se já não bastasse o parricídio hediondo, a comunicação social aproveitou a existência da banda e o eclipse lunar, ocorrido naquela noite, para classificar tudo como um crime satânico. Tójó foi condenado a 25 anos de prisão. Saiu em liberdade, por bom comportamento, em 2017.


(Nota: estes meus textos foram originalmente escritos e publicados na Ultraje Magazine em 2017 e na Metal Hammer Portugal em 2019, tendo sido revistos e levemente alterados em 2025 para este post.)

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